Energia eólica: a experiência espanhola
Por Ronaldo Bicalho, da Comunidade do Blog Luis Nassif
Francisco Javier Ramos Real é professor da Universidade de La Laguna, Tenerife, Espanha. No ano passado, passou três semanas no Instituto de Economia da UFRJ no âmbito de um programa de cooperação acadêmica.
Aproveitando a sua presença, fizemos esta pequena entrevista sobre as razões do sucesso da energia eólica na Espanha.
Ronaldo Bicalho: Qual a razão do sucesso da energia eólica na Espanha?
Francisco Javier: Em nossa opinião, o sucesso da energia eólica é explicado por certas características do mecanismo de incentivos tarifários do modelo espanhol.
Essas características permitem compreender a operação do modelo e sua credibilidade. Essas características tornam possível superar a principal fraqueza do mecanismo, especificamente, o risco regulatório, e sustentar a estabilidade de longo prazo.
Isso é explicado por razões econômicas, assim como políticas, entre as quais: o papel das instituições políticas regionais, a promoção da indústria nacional de energia eólica e a coerência do mecanismo de incentivo tarifário com o mecanismo de repartição de renda costumeiro no mercado elétrico espanhol.
RB: Qual o papel da estabilidade e da flexibilidade no modelo espanhol?
FJ: Nós consideramos que as razões principais que explicam o sucesso da política de promoção da energia eólica são a estabilidade e a flexibilidade do mecanismo de incentivos nas condições presentes na Espanha.
A Economia dos Custos de Transação sugere a necessidade de estabilidade para qualquer contrato de longo prazo, tornando-os menos incompleto através da inclusão de cláusulas de flexibilidade de preços e previsões de renegociação.
Na Espanha se conseguiu introduzir flexibilidade na estrutura estável do sistema de incentivos tarifários, o que resultou em uma credibilidade global do mecanismo.
Contribuiu para essa credibilidade o ajuste anual dos incentivos tarifários ao preço do mercado atacadista de eletricidade e a duração relativamente curta da obrigação de comprar a energia gerada por essa fonte (5 anos versus 12 ou 15 em outros países), o que flexibilizou, de fato, o mecanismo.
RB: Por que as empresas elétricas aderiram a esse processo?
FJ: A estabilidade do mecanismo no longo prazo foi assegurada pela atribuição de rendas àqueles que já estavam no mercado.
Ele não atraiu para si uma hostilidade real das companhias elétricas porque o modelo de regulação permite que todos os custos adicionais sejam repassados às tarifas.
A estabilidade é baseada no entendimento entre as grandes empresas elétricas e seu principal aliado, o Ministério da Indústria.
O mecanismo é coerente com os tradicionais mecanismos de renda do mercado elétrico espanhol: assim, as receitas são auferidas pelos produtores de energia elétrica a partir de fontes renováveis, que são, basicamente, subsidiárias dos grandes operadores elétricos.
Se não houvesse essa coerência entre a regulação e os mecanismos tradicionais de apropriação de renda no mercado elétrico, o interesse das concessionárias elétricas pela geração renovável se reduziria.
RB: Qual o papel da indústria de equipamentos nesse jogo?
FJ: Outro fator importante que afeta a estabilidade do mecanismo surge da criação de uma indústria de equipamentos para a geração eólica.
Essa nova indústria amplia a possibilidade de geração de renda e cria oportunidades de desenvolvimento industrial. Assim, a atmosfera institucional na Espanha criou uma estrutura efetiva de incentivos para os desenvolvedores de equipamentos para geração renovável através da estabilidade que é garantida pela adaptabilidade do mecanismo.
Cabe notar que as províncias espanholas têm o direito de vetar qualquer mudança na política de promoção da geração renovável.
Esse direito é garantido pela constituição espanhola de 1978. Sua jurisdição sobre questões econômicas e industriais permite às províncias fomentar as atividades econômicas locais. Este é o caso de Galicia e Navarra.
O desenvolvimento de uma indústria manufatureira de turbinas eólicas, que se beneficiou de subsídios, visando o desenvolvimento de emprego local.
RB: O sucesso se explica por uma confluência de interesses?
FJ: Sim. Os interesses do Governo Central, dos Governos das Regiões Autônomas, das Companhias Elétricas, da indústria de equipamentos de geração eólica. E, além disso, uma dimensão cultural que não deve ser subestimada: a tradição espanhola no uso da energia eólica.
RB: E os custos disso tudo?
FJ: O mecanismo utilizado para promover a geração renovável tem sido criticado como sendo muito caro. Este custo tem sido arcado pelo consumidor e cresceu de 270 milhões de Euros em 1998 para 620 milhões de Euros em 2003, e representa um custo de 0.26 €cents/kWh por consumidor (o preço final da eletricidade é de 3.02 €cents/kWh).
Comparando com outros países, pode-se afirmar que esse nível de apoio é compatível com aquele encontrado em outros países que incentivaram o uso de energias renováveis.
Além disso, a utilização desses incentivos gerou benefícios ambientais significativos e não envolveu custos excessivos, em termos relativos, ao consumidor.
*Ronaldo Bicalho é engenheiro químico e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro
segunda-feira, 4 de maio de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário