domingo, 8 de novembro de 2009

Um estudo sobre a economia do Brasil - Stephen Kanitz.

Um colchão de segurança


Publiquei em 2004 na Veja, o artigo "Faça um Colchão de Segurança", onde colocava uma preocupação com o baixo nível de reservas internacionais do Brasil na época, e que diante da crise que viria em 2008 foi presciente.

"Volatilidade faz parte da vida - e sempre fará. O correto é conviver com ela, e não tentar impedi-la.

Governos anteriores acreditavam que saberiam intervir inteligentemente no câmbio ou nos juros, a cada nova crise, e portanto acumular reservas seria desnecessário e custoso.

Nunca criamos reservas internacionais suficientes para enfrentar crises. Hoje (2004) temos somente 18 bilhões de dólares, dez dias de nosso PIB.

Reservas financeiras substanciais compram tranqüilidade e tempo, já que nenhuma crise dura para sempre.

TODAS as crises foram nefastas para o Brasil porque nossas reservas sempre terminaram antes. Criar reservas nunca foi nossa prioridade.

A China vive uma fase de prosperidade porque possui nada menos que 420 bilhões de dólares, o suficiente para enfrentar a pior crise que se possa imaginar.

Ninguém sabe como será o amanhã, exceto que teremos muitas crises pela frente. Se você tiver zero de reservas familiares, a crise o afetará 100%. Quanto mais reservas você tiver, menos ela o afetará.

Quem enfrenta uma crise sem ter reservas acaba contraindo mais dívidas, como sempre acontece com o Brasil.”

Gostaria de dizer que Lula leu este artigo na Veja e mandou o Banco Central começar a acumular os 200 bilhões de reservas que acabou nos protegendo da crise de 2008.

Certamente foi incentivado por Henrique Meirelles, primeiro administrador financeiro guinado ao Banco Central, que pensa como todo administrador.

Reservas internacionais será um legado do governo Lula, que nenhum sucessor terá coragem de desmontar.


Dizer que Lula surfou a onda dos 18 bilhões de reservas deixadas pelo Plano Real é uma bobagem monumental. 18 bilhões não seguram crise alguma, desaparecem em duas semanas, como desapareceram em 1998 no final do Primeiro Mandato de FHC.

Lula ao criar estas reservas de 200 bilhões lutou contra dezenas de especialistas, inclusive economistas de seu próprio partido, que achavam que 200 bilhões de reservas deveriam ser gastos em "saúde e educação".

Estas reservas, apesar de óbvias, eram politicamente complicadas devido ao seu custo elevadíssimo.
O governo tinha que financiá-las a um juro interno de 16% ao ano, e só recebia 4% de juros quando aplicadas em títulos estrangeiros.

A crise americana de 2008 foi até uma benção, ao provar a tese de que reservas são necessárias, sempre. Nunca mais teremos que recorrer ao FMI, ou à amizade de um Bill Clinton.

Estas reservas acumuladas por Lula serão um legado para sempre. Nos salvou da crise de 2008, bem diferente do desastre da crise de 1998 quando não tínhamos reservas suficientes.

Ter reservas suficientes será política de todo futuro governo, e precisamos ficar atentos e protestar se um futuro presidente decidir torrar as reservas, como algo custoso e desnecessário.



Empresas de Classe Mundial

A idéia de que nações deveriam ser tão eficientes como empresas, que deveríamos criar governos bem administrados e empresas de classe mundial não era bem aceita no passado no Brasil, e nem é até hoje entre alguns partidos políticos deste país, que são contra grandes empresas em geral.
Mas é uma antiga bandeira de administradores, e nestes últimos 30 anos há milhares de livros publicados sobre empresas de classe mundial, nunca lidos por membros do governo.

Michael Porter, que foi meu colega em Harvard em 1972, escreveu um influente livro “A Vantagem Competitiva das Nações”. Criou a disciplina de Administração Econômica, o uso de técnicas administrativas para fomentar a Riqueza das Nações.

O mundo, para quem não leu esta linha de pesquisa, será eventualmente dominado por 3000 empresas, 10 empresas distribuídas entre 300 setores importantes da economia, a grosso modo obviamente.

Isto pode assustar muita gente, mas assusta ainda mais se pensarmos que o Brasil nunca se interessou em criar as suas próprias empresas globais para poder melhor competir.

Em 1987, apresentamos Michael Porter ao então Ministro da Fazenda, Bresser Pereira, mas o interesse foi pequeno. Infelizmente, porque na época o Brasil não tinha mais do que duas empresas deste porte, a Vale e a Petrobras. Quando deveria no mínimo ter uns 5% das empresas de Classe Mundial do mundo, ou seja 150 empresas e não duas.

Ao contrario do que muitos imaginam, Lula leu este livro, ou pelo menos um resumo, tanto é que se confunde as vezes citando a “vantagem comparativa das nações”, e não a "vantagem competitiva das nações".

Como a tentativa de aproximar Michael Porter com o governo não ocorreu, por 25 anos mostrei nas Edições de Melhores e Maiores a necessidade de termos empresas de classe mundial. Por isto só posso elogiar um governo que adota teses caras aos administradores há longa data.

Fiz uma palestra na FIESP em 1991, no início do movimento da globalização, onde mostrei ao Conselho da Fiesp, presidido por Mario Amato, que a 500a. maior empresa nacional, num ranking global, caía para a 20.000a. posição. Ou seja seria uma empresa insignificante.

De importante no Brasil, a 500 ésima viraria uma mosca no contexto da globalização.

A maioria dos presentes, da Cofap, da Metal Leve, da Prosdócimo, não se tornaram empresas de classe mundial apesar do alerta. Pior, viraram subsidiárias de empresas estrangeiras em vez de empresas de classe internacional.

Perdemos assim toda a nossa indústria de autopeças e eletroeletrônica, por falta de visão governamental de que empresas brasileiras precisavam ser competitivas a nível mundial.

A tônica de 30 anos de política econômica era impedir inclusive que estas empresas virassem oligopolistas, havia um forte sentimento anti-grande empresa, que perdura até hoje,

A Telebrás, por exemplo, foi pulverizada em nada menos que dezesseis empresas, justamente para impedir o surgimento do “Big Business”. Telefônicas estatais estrangeiras puderam comprar empresas de telefonia brasileiras, o que mostra que o intuito não era privatizar e sim pulverizar o capital.

Nós administradores, também acreditamos em pulverizar e enfraquecer o “capital”, mas não criando empresas fracas, e sim criando capitalistas fracos, onde nenhum é majoritário, via empresas de capital aberto e pulverizado. Enfraquecendo sempre o capitalista, não a empresa.

Assim em vez de consolidar os setores de autopeças, eletroeletrônico, mecânica, etc..., acabamos entregando estes setores a empresas de classe mundial estrangeiras.

Lula numa reunião do Conselho de Economia, se não me engano em 2004, anunciou sua política de empresas de classe mundial, desta forma:

“Precisamos ter empresas líderes mundialmente, empresas capazes de impor seus preços em escala mundial.”

“Precisamos ter empresas líderes nos setores de Mineração, Frango, Papel e Celulose, Agropecuária, Bancos, Telecomunicações”, disse Lula.

A frase “empresas capazes de impor seus preços”, é inusitada no meio intelectual. Parece ser de um ultra-direitista falando, mas na realidade é simplesmente bom senso.

Trabalhadores sabem que empresas fracas sem “vantagens competitivas” significam sindicatos fracos.

Os economistas da CEPAL são conhecidos pela tese de que agricultura, pecuária e mineração eram péssimos setores e precisavam ser abandonados, porque “os termos de troca” sempre seriam desfavoráveis. Isto significava que trocaríamos cada vez mais minérios e produtos agrícolas por menos produtos industrializados.

Daí a tese da CEPAL de que deveríamos privilegiar a produção de produtos com "alto valor adicionado", como informática, bio-tecnologia etc ; e abandonar as commodities, minério, agricultura, café e frango. Imaginem se tivéssemos seguindo este caminho, como seria nossa situação hoje.


Para termos produtos com "elevado valor adicionado", é necessário enormes programas de ciência e tecnologia, com universidades com elevado alento inovador, pesquisa e inovação, escolas de administração independentes e cursos de empreendedorismo. E quem compra produtos com "elevado valor adicionado" são os ricos, exigindo assim uma industria exportadora ou uma sociedade com péssimos índices de distribuição da renda.


Acontece que temos um setor agrícola e de mineração e não temos universidades voltadas a criar produtos de consumo para as empresas, nem uma classe de ricos grande suficiente, como nos Estados Unidos.


A saída do impasse Cepalino é criar empresas fortes nos setores de agricultura, mineração e frango com capacidade de impor seus preços.


E é neste governo que vemos esta consolidação há tanto tempo defendida pela ciência da administração.

A Brasil Foods foi imposição de Lula, contra seu ex-ministro Luiz Furlan que tentava manter a Sadia como empresa familiar. Foi Lula quem defendeu a fusão com a empresa profissional Perdigão, administrada por administradores e não por membros de uma família.

É no governo Lula que vemos a fusão de Itaú-Unibanco, Marfrig, JBS, Duratex-Satipel, Dasa, VCP-Aracruz, criando empresas de classe internacional.

Decisão bastante criticada, em editoriais e artigos, com o temor que estas empresas usariam sua capacidade de determinar preço para abusar do consumidor nacional, ou que seria uma estatização indireta da economia. Ou que estaríamos criando empresas capitalistas fortes, em detrimento do consumidor.

Refutar estes temores requer um país onde o administrador tem colunas em revistas e jornais, onde professores de administração são sistematicamente ouvidos pela imprensa e pelo governo, o que ocorre em outros países mas não no Brasil

Rapidamente, lembre-se somente que a tendência das megas empresas é reduzir preços e não aumentá-los, vide Wall Mart.

Lulas sem dúvida criou o inicio de um movimento, que poderá ser mudado em próximos governos, o que seria um erro, porque ainda falta mais 140 empresas brasileiras de classe mundial para chegarmos às 150 que Michael Porter defendia há vinte anos.

Lembre-se que há uma ala do PT favorável a empresas multinacionais em detrimento a empresas nacionais. As empresas multinacionais eram dirigidas por administradores socialmente responsáveis, para os quais pagar trabalhadores um pouco mais não era o fim do mundo, especialmente com o acionista a 12.000 km de distancia e com pouco poder.

Diferente de negociar com o dono de uma empresa familiar brasileira, presente e achando que o aumento do salário sairia do seu próprio bolso.

Multinacionais por terem administração profissional eram mais eficientes e podiam oferecer salários maiores, o que a maioria das empresas familiares não podiam, e por isto as greves com empresas nacionais eram lutas de sobrevivência.

Não é por acaso que os sindicatos mais bem sucedidos foram as da industria automotiva, todas multinacionais. Lula faz parte da ala do PT que percebe a diferença entre empresas capitalistas e familiares e empresas de capital pulverizado administradas por administradores profissionais.

Estas empresas recém criadas estão agora aí para sempre. Nenhum governo futuro atreverá cindi-las ao meio novamente, e o sucesso delas certamente será um forte estímulo para provar que a tese original da Cepal estava certa mais com sugestões erradas e que Michael Porter e os milhares de professores e defensores de Empresas de Classe Mundial, de empresas Maiores e Melhores, estavam corretos.



O fim da âncora cambial

Em 2002, 40% da Dívida Interna era em Dólar e não em Real. Era a política da âncora cambial, iniciada em 1994.

Dívida interna deveria ser sempre em real, reza a boa administração financeira e o bom senso, a não ser se sua empresa é uma exportadora, o que governos não são.

Portanto, era má política financeira o Tesouro ter 40% da nossa dívida interna indexada ao dólar, a âncora cambial.

Além da dívida externa que também era totalmente em dólar, o que significava que crises externas desencadeavam também uma crise interna, tornando ambas as dívidas - interna e externa - mais difíceis de serem pagas, como de fato ocorreu no fim do primeiro mandato de FHC.




Nestes 7 anos da gestão Henrique Meirelles no Banco Central, mudamos o perfil da dívida interna dramaticamente. Não se pode dizer que foi uma simples continuação da política econômica de FHC, como muitos estão argumentando inclusive aqui nos comentários, porque foi uma mudança de 360 graus como mostra o gráfico abaixo.

Hoje temos um dívida interna 0% atrelada em dólar, 100% em real.




Ou seja, uma crise externa não mais afetará a dívida interna, como ficou provado em 2008.

Como temos reservas expressivas em dólares, financiadas por dívidas internas sem dúvida, o próximo governo, na realidade, receberá uma dívida 140% em Real, e Reservas em dólar de 40%, que entram como redutor da dívida, 140%-40% = 100%.

Ou seja, uma crise externa agora REDUZ A DÍVIDA INTERNA. Em vez de termos dois problemas, não temos nenhum, porque o que perdemos de um lado compensamos parcialmente do outro.

Prova disto é que passamos incólumes a crise de 2008, ao contrário do que previua maioria dos economistas ligados ao PSDB, PMDB, DEM etc. Em vez de pedir socorro ao FMI, como fizemos em 1998, o FMI pediu socorro ao Brasil. Isto não é continuação da política econômica do governo anterior, de forma alguma.

Não estou defendendo a "reeleição" do Lula, nem necessariamente a continuação do governo PT, como alguns estão aqui insinuando.

Estou defendendo que o Lula e Meirelles, não "traíram" o PT mantendo a política "neoliberal" do governo anterior. Pelo contrário, mudaram esta política, com ideias novas, abordagens novas, algo que muitos petistas radicais não estão percebendo.

Estes meus argumentos podem até esvaziar um pouco o discurso da Dilma, no sentido que nenhum governo futuro, acredito, irá reintroduzir a âncora cambial novamente, muito menos criar dívidas INTERNAS atreladas ao dólar. Nunca mais.


Portanto, investidor estrangeiro e brasileiro,fique tranquilo na intranquilidade que talvez teremos em 2010.

Você não precisa sair fugindo comprando dólar e mandando o dinheiro para um banco estrangeiro (quebrado) no exterior. Você estará mais seguro comprando títulos do governo brasileiro, denominados em reais, como fez Warren Buffet. Preciso dizer mais?

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